Quando eu era pequeno minha mãe - que é carioca - contava dos Carnavais de sua infância. Os blocos, os homens fantasiados de mulher, o lança-perfume inocente. Eu era um garoto do interior de São Paulo e imaginava essas cenas oníricas em preto e branco, como num documentário de uma época remota.
Por muito tempo o carnaval carioca abandonou esse lado lúdico, mais inocente e genuíno - dos blocos e foliões fantasiados pelas ruas -, pela produção profissional e um tanto "pra inglês ver" dos desfiles oficiais das escolas de samba. Vejo hoje, pela janela, que os blocos voltaram. Assisto a uma versão atualizada, a cores, do velho documentário da infância da minha mãe. E apesar do verso do Drummond que diz que "o intangível torna-se insensível à palma da mão", vibro por reencontrar o carnaval da minha mãe, que agora é meu também.
Como prova desse eterno retorno o maior hit dos últimos carnavais é uma marchinha de 1963, Cabeleira Do Zezé. Não é à toa. A canção é ótima. Quem de nós nunca cantarolou a Cabeleira Do Zezé em algum momento da vida? Um dos autores da música, João Roberto Kelly (o outro é Roberto Faissal), conta que a canção nasceu no Bar São Jorge, em Copacabana.
Kelly estava no bar, acompanhado da namorada, e reparou num garçom cabeludo. Naquela época os cabeludos ainda eram raros no Brasil. Kelly, que diz não ter desconfiado da sexualidade do garçom, ficou sim intrigado com sua ousadia. Além de cabeludo, o sujeito ficou piscando o tempo todo para a namorada de Kelly. A vingança - ou brincadeira, nas palavras dos autores - veio na forma da marchinha inesquecível. Nos dias de hoje talvez fosse taxada de politicamente incorreta. Ainda bem que o Carnaval permanece imune a correções políticas, pairando entre a rua e a memória, a memória e a rua.
http://veja.abril.com.br//blog/cenas-urbanas/150136_
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