MAICON TENFEN - 12/03/2009
Excomunhão
Como muitos dos leitores do Santa, fiquei grilado com o caso daquela menina de nove anos que, estuprada pelo padrasto, engravidou de gêmeos e foi submetida a um aborto hospitalar. Para complicar a situação, apareceu o tal arcebispo de Olinda e Recife e providenciou a excomunhão dos familiares da garota e da junta médica responsável pelo aborto.Isso significa que, daqui pra frente, todo esse pessoal não pode mais aspirar à redenção cristã e a sacramentos como crisma, batizado, eucaristia e matrimônio (rituais normalmente acompanhados de festanças e comilanças dominicais). Em compensação, o padrasto estuprador ficou canonicamente autorizado a receber um confessor – e o perdão, já que a clemência divina não tem limites! – na penitenciária onde passará os próximos anos jogando baralho e juntando o sabonete.“Quanta incoerência!”, dirá o leitor mais afoito. “Por que não aproveitar o embalo e excomungar também esse homem?” Calma, minha gente, calma que não é bem assim. Tenho uma teoria para explicar a aparente contradição do arcebispo, uma pequena teoria que, prometo, fará sentido se você acompanhar o raciocínio.A base da excomunhão anunciada pelo arcebispo é o sexto mandamento, “Não matarás”. Enquanto instituição, a Igreja já pecou demais nesse setor. Por “atos e omissões”, matou a mancheias no tempo das Cruzadas e da Inquisição, e mata ainda hoje ao combater a camisinha numa África infestada de Aids e pobreza, mas isso dificilmente chega aos ouvidos do público pagante. Sendo assim, o arcebispo pôde excomungar os médicos sem receio de que algum engraçadinho sugira a excomunhão da própria Igreja.Por outro lado, o padrasto estuprador tornou-se símbolo da pedofilia que assola boa parte das crianças brasileiras. Começou a me entender, né? Se chamasse atenção para o verdadeiro culpado de toda essa história, o arcebispo também chamaria atenção para os recentes escândalos de padres pedófilos – esses sim de conhecimento geral. Seria fácil montar uma lista de religiosos merecedores de excomunhão. Mas em vez de excomungar os pedófilos ou de pelo menos entregá-los à Justiça, a Igreja prefere removê-los para regiões distantes onde voltarão a sucumbir e a desgraçar vidas alheias. Conclusão: quem tem culpa tem medo!Há quem diga que a atitude do arcebispo representa apenas a ala mais conservadora da Igreja. Nada disso. Em comunicados oficiais, a CNBB e o Vaticano endossaram a excomunhão.
maicon.tenfen@santa.com.br
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